Carta aberta a Sá Pinto

Caro Ricardo Sá Pinto,

Aprendi, ao longo dos anos, a apreciar a tua entrega, dedicação e esforço, visíveis de qualquer ponto das bancadas. Tu, que nasceste no Porto, começaste a carreira de futebolista no Salgueiros e, ao que dizem, eras inicialmente mais virado para o azul-e-branco, tornaste-te um verdadeiro leão, alguém a quem reconhecemos "amor à camisola". Vives o jogo, dentro do campo, como nós, adeptos, o vivemos na bancada.

Foi notável a recuperação que conseguiste fazer, depois de teres sido sucessivamente operado ao joelho. Quando muitos já te davam como morto para o futebol, com a garra que te caracteriza, lutaste até conseguir voltar aos relvados.

A tua carreira tem momentos de glória e também, infelizmente, alguns momentos muito tristes, dos quais se destacam as agressões ao seleccionador nacional, Artur Jorge. Tu, que ao contrário da maioria dos jogadores profissionais de futebol, até és "bem nascido", tinhas a obrigação de ter mais discernimento. Mas enfim, esse mau momento acompanhar-te-á a vida toda, o que já é suficientemente mau.

Tu sabes que a massa associativa do Sporting gosta de ti. Os sportinguistas gostam daqueles que dão tudo ao clube. No teu caso, convenhamos, também recebeste muito, mas isso são contas de outro rosário.

Anunciaste, e bem, revelando inteligência e discernimento, que esta época seria a tua última. Convenhamos que não foi uma grande época: um avançado do Sporting não pode marcar só dois golos numa época em que jogou quase sempre como titular. Para além disso, provocaste quatro penalties na nossa área e foste expulso 3 ou 4 vezes. Não vou questionar a justiça das expulsões. Basta-me saber que és dos nossos e que tens uma vontade de leão.

Segundo o pasquim dos lampiões, anunciaste ontem aos jornalistas que vais fazer mais uma época. Acho que fazes mal. Vais arrastar-te pelo banco e não tens lugar na equipa idealizada por Paulo Bento. Eu gosto de ti, da tua atitude, e é por isso mesmo que quero dizer-te: mantém a decisão de acabar a tua carreira. É o melhor para ti. É o melhor para o Sporting. Tenho a certeza que, no jogo de apresentação da próxima época, podes jogar alguns minutos. Depois, és substituído, cedendo a braçadeira ao novo capitão de equipa. Sairás em glória, ovacionado em pé por um estádio repleto de adeptos agradecidos. Tiras um ano de sabática e, mais tarde, poderás voltar ao Sporting, como treinador das camadas jovens ou, se não estiveres para aí virado, ocupando uma qualquer posição na estrutura do futebol.

Jogar mais um ano é que não. Vai ser penoso. Pensa bem nisto.